Na última terça-feira, 1, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets ouviu o depoimento de Antônio Geraldo da Silva, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). O objetivo desse encontro foi debater a saúde mental de apostadores no Brasil.
Silva deu início ao depoimento afirmando ser formado em medicina e atuar na área de psiquiatria há 38 anos, destacando que a ABP possui ambulatórios específicos para atender pessoas que possuem transtornos de impulsos – razão pela qual ele explicará como essa dependência impacta a vida de cada indivíduo.
“Vou falar aqui, como médico e psiquiatra, como isso [o vício em jogos] impacta a vida das pessoas, como isso impacta o resultado que nós temos em relação aos jogos e às famílias. Hoje, posso dizer com tranquilidade que crianças e adolescentes estão se envolvendo cada vez mais nessa área”, afirmou Silva.
O psiquiatra levou 20 tópicos para serem apresentados na reunião para abordar os efeitos nocivos das empresas de apostas na saúde mental dos brasileiros.
Silva explicou que o termo ‘dependência’, de forma geral, refere-se ao uso repetido e prolongado de substâncias, podendo favorecer o desenvolvimento do transtorno de dependência – o qual é crônico e recorrente, caracterizado, principalmente, pela intensa necessidade da substância e pela perda de controle de consumo.
Segundo o doutor, o vício em apostas compartilha raízes com outros tipos de vícios, tanto relacionado a substâncias – como álcool e nicotina – quanto a comportamentos – como relações sexuais, alimentação e compras.
Para Silva, quanto maior for a restrição à atividade, mais eficazes serão as medidas de combate à dependência. O psiquiatra usou como exemplo o vício em cigarro – no Brasil, 50% da população já foi dependente de nicotina.
No entanto, atualmente, após diversas ações restritivas voltadas à redução do número de fumantes no país, as quais não foram especificadas pelo doutor, esse número caiu para cerca de 10%.
“Liberar só aumenta as dependências”, afirmou Silva, explicando que o vício em jogos é uma doença e que está ganhando espaço no Brasil, prejudicando crianças, adolescentes, adultos, idosos e todas as pessoas próximas, como amigos e familiares.
O doutor destacou, ainda, que o número de mulheres (47%) no setor de apostas cresceu, embora a maioria seja homem (53%). A cada 100 jogadores, 80 são das classes C, D e E – referentes às classes média e baixa. Apenas 20% dos apostadores são das classes A e B – referentes às classes mais altas no Brasil.
Outro dado apresentado por Silva é que 40% dos apostadores têm entre 18 e 29 anos de idade, “o que dá uma perspectiva futura muito ruim”, afirmou o psiquiatra.
“Nós não conseguimos cercar o Brasil de um muro virtual”, acrescentou a senadora Soraya Thronicke (PODEMOS-MS), afirmando que a CPI das Bets já está trabalhando em “uma regulamentação bastante severa”, considerando outros países que passaram ou passam pela mesma situação.
O senador Izalci Lucas (PL-DF) questionou Silva quais medidas específicas a ABP recomendaria ao Poder Público para minimizar os impactos psicológicos causados pelas apostas on-line, ressaltando, principalmente, a população mais vulnerável.
O psiquiatra afirmou que seria interessante possuir um sistema ambulatorial multifuncional de atendimento a ludopatas. Silva explicou que, atualmente, não é possível atender indivíduos que possuem dependência em apostas, uma vez que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são voltados a grupos de pessoas que apresentam quadros psicóticos.
A discussão da saúde mental dos brasileiros no mercado de apostas da CPI das Bets se estendeu por mais de duas horas. O encontro foi encerrado com Sônia Barros, diretora do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, explicando como funcionará o atendimento a apostadores que está sendo proposto pelo governo.
“Qualquer valor que a gente arrecade de impostos é irrelevante em função do estrago que [as empresas de apostas] estão fazendo na saúde mental da população brasileira”, disse o senador Izalci Lucas.
Barros destacou a criação de mais 200 CAPS para ampliar o suporte à população e a nova proposta para desenvolver 100 CAPS: “Tudo isso significa que nós estamos ampliando a oferta. Nós estamos fazendo com que esse serviço […] esteja valendo e que facilite o acesso para essas pessoas”.
O link do debate sobre a saúde mental dos brasileiros na CPI das Bets está disponível aqui.
A importância da regulamentação no combate à ludopatia
Muitos especialistas da indústria de apostas comentam a importância da regulamentação no combate ao vício em jogos. Além de definir diretrizes para o melhor funcionamento do setor, a legislação ajuda a proteger usuários tanto contra atividades fraudulentas quanto fornecendo suporte quando necessário.
No SBC Summit Americas, que acontecerá entre os dias 13 e 15 de maio deste ano, por exemplo, Matt Para, diretor da 10MB, Seth Schorr, CEO da Fifth Street Gaming, Lee Terfloth, CIO da Delaware North, e Matthew Ferrara, gerente de Vendas da Altenar, irão debater os riscos de limitar jogadores o quanto podem apostar e como essa restrição pode levar ludopatas para o mercado paralelo.
Além disso, no SBC Summit Rio deste ano, mais especialistas do setor discutiram diversos tópicos relacionados à proteção de jogadores.
Opinião de especialistas do setor
“A regulamentação não é apenas um selo, é o que protege as pessoas. Em um mercado licenciado, há verificações reais sobre operadores, suporte para viciados (em desenvolvimento) e consequências quando as coisas dão errado”, comentou Mike de Graaff, diretor de Conformidade (CCO, sigla em inglês) da Betcomply.
Segundo de Graaff, no mercado paralelo, isso não existe: “É onde o dano prospera e onde o governo não tem controle”.
“A regulamentação é essencial para a construção de um mercado de apostas mais seguro e responsável. Normas claras permitem não apenas a supervisão das atividades de operadores, mas também a adoção de mecanismos eficazes de proteção aos apostadores, como políticas de jogo responsável, limites de depósito, ferramentas de autoexclusão e suporte a pessoas em situação de vulnerabilidade”, acrescentou Leonardo Condessa, diretor de Conformidade do KTO Group.
Conforme explicou de Graaff, quando jogadores são afastados do mercado legal, os danos são potencializados.
“Os operadores licenciados querem aderir à regulamentação e fazer a coisa certa, caso contrário, estariam oferecendo por meio de ofertas irregulares”, afirmou de Graaff.
“Porém, mais do que impor novas restrições, é fundamental garantir a aplicação efetiva das regras já existentes, especialmente no combate ao mercado ilegal, que opera sem qualquer controle. As empresas sérias, que estão autorizadas e que seguem as diretrizes do regulador, vêm atuando ativamente na prevenção de abusos, promovendo práticas responsáveis e assegurando os direitos dos consumidores”, destacou Condessa.
Condessa explicou, ainda, que empresas de apostas operam em conformidade com as diretrizes definidas pelo governo, as quais permitem identificar comportamentos de risco, oferecer ferramentas de autocontrole e garantir suporte adequado ao apostador que precise de ajuda.
Para concluir, Condessa afirmou que essas medidas são “fundamentais para lidar com a ludopatia com seriedade, sem comprometer a experiência legítima de entretenimento”.